Em 19 de agosto, o vereador Eduardo Suplicy deu uma palestra virtual no 22º Congresso Internacional da BIEN. Leia íntegra do texto lido por Suplicy no congresso.
O Brasil é o primeiro país no mundo cujo Congresso Nacional a aprovar uma lei com votos de todos os partidos, primeiro no Senado em dezembro de 2002, depois na Câmara dos Deputados em novembro de 2003 e depois sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva que institui uma Renda Básica de Cidadania Uinversal e Incondicional, a ser implementada por etapas, priorizando os mais necessitados até que beneficie todos os residentes no Brasil, incluindo estrangeiros vivendo no país por pelo menos cinco anos.
Como senador eleito por São Paulo em 1990 representando o Partido dos Trabalhadores (PT), apresentei um projeto de lei para instituir uma Renda Mínima Garantida por meio de um Imposto de Renda Negativo. Todo adulto com renda abaixo de Cr $45 mil (cruzeiros), então equivalentes a US $150 teria o direito de receber um complemento de renda de 50% da diferença desse limite e a renda da pessoa. A proposta teve parecer positivo do senador Maurício Correa (PDT-DF), com a sugestão de que o Executivo poderia mudar o imposto de renda negativo para 30% para começar e chegar a 50% , de acordo com os resultados do programa, que seria instituído gradativamente. No primeiro ano, seria dirigido para pessoas com 60 anos ou mais, no segundo, àqueles com 55 anos e assim por diante. Aceitei as mudanças sugeridas pelo senador e a proposta foi aprovada por todos os então 81 senadores em 16 de dezembro de 1991, com apenas quatro abstenções. O projeto de lei foi para a Câmara dos Deputados, onde foi recebida por um parecer entusiástico do deputado Germano Rigotto (PMDB-RS).
No primeiro debate sobre o tema, em um encontro de economistas simpatizantes do PT, o professor José Márcio Camargo, da PUC do Rio de Janeiro, disse que seria bom ter garantia de renda, mas seria melhor que esta fosse garantida às famílias pobres desde que as crianças estivessem frequentando a escola. Um dos principais problemas do Brasil era, à época, um número muito grande de famílias nas quais os pais ou adultos responsáveis, não tendo como alimentar seus filhos, pediam que fossem trabalhar com 7, 8, 9 ou 10 anos de idade. Essas crianças, chegando à idade adulta, não tinham educação suficiente para ter empregos com remuneração melhor. Por isso, se pagarmos uma renda mínima para as famílias pobres condicionada à frequência de seus filhos à escola estaremos contribuindo para cortar um dos elos do círculo vicioso da pobreza. José Márcio Camargo escreveu sobre essa proposta em artigos publicados pela “Folha de São Paulo” entre 1991 e 1993.
Em 1995, o governador Cristovam Buarque (DF) e o prefeito de Campinas (SP) José Roberto Magalhães Teixeira implementaram programas nesse sentido, com resultados positivos. Vários outros municípios seguiram o exemplo. No Congresso Nacional, três senadores e três deputados federais apresentaram projetos para que a União passasse a financiar municípios que adotassem esse tipo de política pública.
O professor Philippe Van Parijs, que veio para São Paulo e Rio de Janeiro para dar palestras em universidades em 1994, me convidou para participar do V Congresso da Bien em Londres, em setembro daquele ano. No congresso, conheci where I met os professores Guy Standing, Clauss Offe, Walter Van Trier, Bridget Meade-Dommen e vários outros de vocês. Àquela época, eu já tinha lido o livro “Arguing for a Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform”, dado pelo amigo, o professor Antônio Maria da Silveira, que também contribuiu comigo para elaborar aquela minha proposta de renda mínima. Em 1996, Philippe Van Parijs voltou ao Brasil novamente para outra série de conferências. Nessa ocasião, solicitei ao presidente Fernando Henrique Cardoso que recebesse a mim e ao professor Philippe Van Parijs em audiência, o que acabou acontecendo também com as presenças do ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, e um dos parlamentares que havia apresentado uma daquelas propostas que mencionei anteriormente, Nelson Marchezan (PSDB-RS). Philippe Van Parijs explicou ao presidente que o objetivo final desses programas deveria ser a Renda Básica Universal, mas começar com um programa de Garantia de Renda Mínima relacionada a oportunidades educacionais seria um passo muito bom naquela direção, pois significaria investimento em capital humano. Então, o presidente Fernando Henrique Cardoso deu o sinal verde para o Congresso Nacional aprovar uma lei pelo meio da qual o governo federal financiaria 50% das despesas de todos os municípios que aplicassem programas nessa direção, começando no primeiro ano com 20% dos municípios com os piores níveis de renda per capita até que, no quinto ano, todos os municípios tivessem o benefício. Antes do quinto ano, no entanto, diante dos resultados positivos da aplicação do programa, o presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou em 1991 uma medida provisória que determinava que todos os municípios teriam 100% de financiamento para programas de garantia de renda relacionados às oportunidades de educação e essa medida provisória foi transformada em lei com aprovação de todos os partidos. O programa passou a se chamar Bolsa Escola. Alguns meses depois, Fernando Henrique introduziu o Bolsa Alimentação, associando o benefício à obrigação de as crianças tomarem vacinas. Logo depois, lançou o Auxílio-Gás, the Gas-Aid Program, R$ 15 reais por mês para que as famílias pudessem comprar gás de cozinha.
O Bolsa Família
Eleito em 2002, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu o programa Fome Zero assim que tomou posse em 2003, com um Cartão Alimentação que fornecia R$ 50 por mês para famílias pobres comprarem comida. No entanto, em outubro de 2003, o presidente Lula anunciou uma medida provisória pela qual decidiu unificar e racionalizar os quatro programas: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação, no que se tornou o Bolsa Família. Todas as famílias com renda per capita abaixo de um determinado limite, hoje em dia R$ 89,00 por mês, tem o direito de receber um complemento de renda, desde que as crianças até seis anos de idade estiverem em dia com o calendário de vacinação determinado pelo Ministério da Saúde e que as crianças e adolescentes dos 7 aos 17 anos estejam frequentando a escola. O benefício atualmente é de R$ 89 por mês, mais R$ 41 por criança de até 15 anos (até o limite de 5 crianças), mais R$ 48 por adolescente entre 16 e 17 anos. Esses valores foram definidos em 2018 e em breve devem ser ajustados de acordo com a inflação, provavelmente em setembro.
O Bolsa Família tinha 3,5 milhões de famílias inscritas em dezembro de 2003 e mais de 14,2 milhões de famílias em 2014/15. Durante a administração dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, o coeficiente de Gini e o número de pessoas na extrema pobreza diminuiu significativamente. O Banco Mundial e outras elogiaram o Brasil por ter sido capaz de reduzir a desigualdade e os índices de pobreza durante esse período. No entanto, no período 2016-2021 devido à recessão, ao desemprego crescente e à epidemia do coronavírus quase quase nenhum progresso foi observado no sentido da erradicação da pobreza e da construção de uma sociedade mais justa. Hoje em dia, o Bolsa Família beneficia cerca de 14,7 milhões de famílias.
Estudando o processo de como prover uma garantia de renda, erradicar a pobreza, promover justiça e liberdade real a todos, interagindo como vocês da BIEN, visitando lugares como o Alasca, a Namíbia, a Coréia do Sul, o Quênia,a Finlândia e outros países nos quais foram desenvolvidas experiências de Renda Básica, tenho ficado cada vez mais persuadido que uma Renda Básica Universal é a melhor solução para esses problemas complexos. Assim, como senador, em dezembro de 2001, apresentei um projeto de lei no Senado brasileiro para instituir uma Renda Básica de Cidadania para todos os habitantes do Brasil, incluindo estrangeiros vivendo no país há cinco anos ou mais, que deveria começar em 2005. O senador Francelino Pereira (PFL-MG), de um partido de linha mais conservadora, foi designado como relator do PL. Ele teve um bom diálogo comigo: “Eduardo, eu tenho 81 anos de idade, não quero mais me candidatar, mas quero estudar a sério a sua proposta.” Dei a ele meu livro “Renda de Cidadania – A Saída é pela Porta” (primeira edição é de 2002; agora está na sétima). Ele examinou o projeto e disse: “Essa é uma boa proposta, mas você tem de torná-la mais viável. De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, para cada despesa, deve haver o recurso necessário. Que tal adicionar um parágrafo que diz que a Renda Básica de Cidadania será implementada por etapas, a critério do Executivo, levando em conta aqueles mais necessitados?”
Eu me recordei das lições do prêmio Nobel de 1977, James Edward Meade, que em sua trilogia “Agathotopia”relata sua longa trajetória em busca da Utopia. Por mais que ele tenha viajado, ele não conseguia achá-la, mas em seu caminho de volta, ele achou Agathotopia, que, em grego significa um mundo bom. Ele se torna amigo de um economista que diz a ele: “Os agatopianos sabem onde está a Utopia, mas eles não vão te dizer onde é, por que há uma grande diferença entre eles. Na Utopia, eles são pessoas perfeitas que são capazes de construir um mundo perfeito, enquanto nós somos pessoas imperfeitas, mas que podemos construir um mundo bom.” E então ele estudou as instituições de Agathotopia e ficou convencido que o melhor era se ater aos objetivos que a humanidade e os economistas estão sempre perseguindo: liberdade, no sentido de que cada um pode trabalhar naquilo que é sua vocação e gastar o que receber naquilo que quiser; igualdade no sentido de não haver grandes disparidades de renda e riqueza; eficiência, no sentido de obter o mais alto padrão de vida possível dados os recursos e a tecnologia disponível.
Que arranjos seriam esses? Em primeiro lugar, flexibilidade de preços e salários de forma garantir a melhor alocação de recursos; em segundo, formas de interação entre empresários e trabalhadores de maneira a ter cotas de participação para que os trabalhadores usufruam da criação da riqueza e em terceiro a existência de uma renda básica para todos. No último capítulo de Aghathotopia, James Meade recomenda que se deve procurar chegar a esses arranjos de forma gradual, porque ao tentar chegar a todos de uma vez só, pode-se ter uma grande instabilidade política como a que ele viu no século 20. Por conta dessa reflexão de Meade, eu aceitei introduzir o parágrafo que dizia que a Renda Básica de Cidadania deveria ser instituída passo a passo. Graças a isso, o Senado e a Câmara dos Deputados aprovou a proposta com os votos de todos os partidos em novembro de 2003, incluindo o deputado federal Jair Bolsonaro, que não teve nada a objetar contra o projeto.
Em 8 de janeiro de 2004, em uma cerimônia muito agradável no palácio presidencial, com a presença mais que especial do professor Philippe Van Parijs, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 10.835/2004, que institui a Renda Básica de Cidadania, por etapas, a critério do Executivo, começando com aqueles que mais precisam até o dia que ela se tornará universal e incondicional.
O cenário na pandemia
Dezessete anos se passaram e até agora a Renda Básica ainda não é uma realidade. Temos, no Brasil, uma série de programas de transferência de renda, como o Benefício de Prestação Continuada, o Salário Família (um desconto no imposto de renda para cada dependente menor de 18 anos ao qual os pais de qualquer nível de renda tem direito) e o Bolsa Família. Em abril de 2020, em função da epidemia de covid, o Congresso Nacional aprovou a instituição da de um Auxílio Emergencial de R$ 600 por mês para adultos acima dos 18 anos, com o máximo de dois por família, por cinco meses. O benefício foi prorrogado com valores menores por conta do prolongamento da pandemia e continua sendo pago.
Também em 2020, a Defensoria Pública da União do Rio Grande do Sul apresentou um mandado de injunção ao Superior Tribunal Federal em nome de um morador de rua da capital Porto Alegre, Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, que tem epilepsia e recebe apenas R$ 89 (US $16) por mês do Bolsa Família,para que ele tivesse direito de receber a Renda Básica de Cidadania, tal como definido pela Lei 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula. Segundo a lei, a Renda Básica deve ser suficiente para atender as necessidades de todos os residentes no Brasil, bem como os estrangeiros aqui vivendo por cinco ou a mais anos. A RBC será instituída por etapas, dando prioridade aos mais vulneráveis. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, apresentou voto no qual define o período de um ano para que o Executivo regulamente a lei. Em 26 de abril, os 11 ministros do STF chegaram à decisão de que o governo federal deve começar a pagar a Renda Básica em 2022 para todos os cidadãos que estiverem sob condições de extrema ou absoluta pobreza. O valor da RB ainda deverá ser decidido.
Outra notícia positiva que aponta para a direção da implementação da Renda Básica no Brasil é o fato de que, em 2019, 217 deputados federais e senadores de 23 dos 24 partidos políticos com representantes no Congresso Nacional decidiram formar uma Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica. Em junho último, a presidente dessa frente, a deputada Tabata Amaral (sem partido -SP), o secretário-geral Paulo Teixeira (PT-SP) e seis outros deputados apresentaram um requerimento de informações para os Ministérios da Economia e da Cidadania a respeito de como as respectivas pastas estão dando os passos necessários para regulamentar a implementação da Renda Básica de acordo com a Lei 10.835/2004. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já informou sobre medidas do ponto de vista da receita orçamentária . Ele diz: “O Poder Executivo mandou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.387/2020 para criar uma contribuição social a partir de operações sobre mercadorias e serviços Social Contribution over Goods and Services Operations, em substituição à contribuição do PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Formação Patrimônio do Fundo do Servidor Público), como forma de diminuir a regressividade do sistema fiscal brasileiro.” O Executivo também mandou ao Congresso o Projeto de Lei 2.337/2021 que propõe várias modificações às atuais regras do Imposto de Renda, tanto para empresas como para os contribuintes. Todas essas medidas têm como meta reduzir a regressividade do sistema atual. No que diz respeito à implementação da Renda Básica o ministro da Economia respondeu que isso é da competência do Ministério da Cidadania.
O ministro João Roma, em sua resposta do dia 27 de agosto, enfatizou que a Renda Básica, será introduzida por etapas, a critério do poder executivo, iniciando-se pelos mais necessitados. Ele também explicou que, além do Bolsa Família, que beneficia hoje mais de 14 milhões de famílias, o governo federal criou o Auxílio Emergencial por conta da epidemia do coronavírus, R$ 600, por aduto nas famílias mais pobres, até dois adultos por família, de abril a agosto de 2020, R$ 300,00 por adulto de setembro a dezembro de 2020 e partir de abril de 2021, R$ 250 por adulto. Como a pandemia prossegue, o Auxílio Emergencial agora foi prorrogado até outubro.
Em 9 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro apresentou ao Congresso Nacional uma medida provisória que cria o Auxílio Brasil e o Alimenta Brasil, mas extingue o Bolsa Família e tem 44 artigos. Uma medida provisória torna-se lei assim que é publicada. O Congresso Nacional tem o prazo de 120 dias para aprová-la, modificá-la ou rejeitá-la.
Com o objetivo de reduzir a extrema e absoluta pobreza, o Auxílio Brasil estabelece os seguintes programas de transferência de renda:
I Benefício Primeira Infância – para famílias com crianças entre 0 e 36 meses
II Benefício Composição Familiar – para famílias com gestantes e ou pessoas entre 3 e 21 anos benefício pago diretamente a cada um;
III – Benefício de Superação da Extrema Pobreza – será calculado e pago depois de levado em conta a renda advinda do Benefício Composição Familiar;
Além disso, o Auxílio Brasil inclui:
- Auxílio Esporte Escolar
- Bolsa de Iniciação Científica Júnior
- Auxílio Criança Cidadã
- Auxílio Inclusão Produtiva Rural
- Auxílio Inclusão Produtiva Urbana
- Benefício Compensatório de Transição
O programa Auxílio Brasil destina-se a todas as famílias em situação de extrema pobreza e de pobreza definidas pelas seguintes regras: famílias com mulheres grávidas ou membros até os 21 anos e cada família terá no máximo 5 beneficiários. Os critérios para definir os limites de pobreza e de extrema pobreza serão estabelecidos pelo Executivo levando em conta a situação socioeconômica do país e estudos técnicos sobre o tema. As famílias só terão direito ao Auxílio Brasil se seus membros em idade escolar estiverem frequentando a escola.
Em vez de Jair Bolsonaro estar tomando medidas racionais para simplificar a transição do Bolsa Família – que, repito, teve muitos resultados positivos, especialmente durante o período dos governos Lula e Dilma-, ele está tornando o sistema de transferência de renda muito mais complexo de entender e administrar. Na MP, os artigos do 3 ao 19 definem os critérios que cada família deve se encaixar para ter direito ao Auxílio Brasil. Acredito que o atual governo poderia caminhar no sentido de uma simplificação de todos os programas de renda que existem no Brasil e na direção da implementação da Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondiconal. É evidente que, para seguir nessa direção, seria preciso tomar as medidas necessárias para promover uma reforma fiscal para chegar a um sistema mais progressivo, bem como descobrir novas maneiras de criar um fundo para financiar a Renda Básica Universal. Chegou a vez dos ministros da Economia e da Cidadania, Paulo Guedes e João Roma, do presidente Jair Bolsonaro ouvirem as recomendações dos mais importantes economistas ganhadores do prêmio Nobel e de líderes como o papa Francisco de que devemos instituir uma Renda Básica Universal.
O papa, muito sabiamente, incluiu em seu último livro: “Let Us Dream. The Path towards a Better Future” (Simon and Schuster, 2020) uma importante reflexão a esse respeito: “Para o mundo pós-pandemia será vital “reconhecer o valor do trabalho não remunerado”. Devemos “explorar conceitos como o de renda básica universal, […] um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos” . “A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. […] Com o mesmo objetivo, é bem possível que seja também hora de considerar uma redução no horário de trabalho […]. Trabalhar menos, para que mais gente tenha acesso ao mercado de trabalho, […] é um […] pensamento que precisamos explorar com certa urgência”
É necessário que o ministro da Economia aprenda sobre a Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondicional. Em setembro de 2020, em debate no Congresso Nacional sobre as medidas socioeconômicas para resolver os problemas causados pela pandemia de covid ao responder para o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) sobre a Renda Básica, Paulo Guedes afirmou: “Nós não gostamos do conceito de universalidade, preferimos a renda básica cidadã. Esse era o conceito da Renda Brasil [nome de outro projeto do governo Bolsonaro para substituir o Bolsa Família ao final do período fixado para o] Auxílio Emergencial, cuja implementação foi iniciada e interrompida em 2020] Porque se você fala em universal, terá de pagar também àqueles que são muito ricos: os deputados federais,os senadores, eu, muitos empresários. Se é universal, todos nós receberemos. Nós não podemos fazer isso. Nós precisamos focar exatamente na renda básica cidadã.”
Bem, eu já escrevi ao ministro Guedes: “Sim. Todos irão receber, mas aqueles que tem mais, contribuirão mais para que nós e todas as outras pessoas possam receber. Por isso, teremos grandes vantagens se ela for universal, especialmente do ponto de vista da liberdade e da dignidade de cada pessoa.”
É importante, portanto, que o ministro Paulo Guedes ouça a todos vocês que estão neste 23 Congresso da BIEN e às lições que estão em “Basic Income: A Radical Proposal for a Free Society and a Sane Economy”, de Philippe Van Parijs e Yannick Vanderborght (Harvard University Press).
É essencial que Paulo Guedes, que estudou na Universidade de Chicago, observe a recomendação do economista ganhador do prêmio Nobel Amartya Sen no prefácio do livro de Philippe Van Parijs e Yannick Vanderborght:
“Nesta importante introdução à iniciativa da Renda Básica, uma proposta econômica que pode transformar radicalmente a natureza da economia e da sociedade modernas – dois importantes cientistas sociais examinam a ética e a economia do movimento proposto. Esta é uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada nos problemas de pobreza e falta de liberdade que sobrevivem até mesmo nos países mais ricos do mundo. A argumentação para sanar esses problemas apresentada por Van Parijs e Vanderborght é poderosa e altamente envolvente – um livro brilhante. ”
A experiência pioneira da Renda Básica de Cidadania em Maricá (RJ)
Em dezembro de 2015, quando fui secretário de Direitos Humanos e Cidadania da gestão de Fernando Haddad (PT), dei uma palestra sobre direitos humanos e Renda Básica em São Paulo. O prefeito de Maricá, Washington Quaquá, do PT, me disse: “Eu quero aplicar essa ideia em Maricá”. Então, ele apresentou um projeto de lei que foi aprovado pela Câmara Municipal da cidade. Em 2016, Quaquá introduziu uma renda complementar ao Bolsa Família em uma moeda local, 10 mumbucas por família. A mumbuca é aceita apenas no comércio local do município e foi criada pelo Banco Comunitário Mumbuca de forma a estimular a economia do município. Em 2017, o valor subiu para 20 mumbucas para os beneficiários do Bolsa Família.
Em dezembro de 2019, cada pessoa de todas as famílias cuja renda ficava abaixo de 3 salários mínimos começaram a receber 130 mumbucas por mês. Com o início da pandemia da covid, o pagamento aumentou para 300 mumbucas por pessoa; assim, 42.500 habitantes de Maricá, cerca ¼ da população do município (165.000) estão recebendo a Renda Básica. Se a pandemia de covid terminar nos próximos meses, o benefício diminuirá para 170 mumbucas por mês.
O atual prefeito de Maricá, Fabiano Horta, do Partido dos Trabalhadores e reeleito em 2020 com 88% de votos, tem o objetivo de universalizar o pagamento da Renda Básica para todos os residentes de Maricá que estejam morando lá por 3 ou mais anos em 2024.
É verdade que Maricá tem uma vantagem, uma vez que conta com os royalties da exploração de petróleo de uma das plataformas da Petrobras baseada nessa cidade da costa do Rio de Janeiro. A expectativa de receita de Maricá em 2021 está em torno de R$ 2.9 bilhões para uma população que foi calculada pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em torno de 165 mil habitantes (a administração municipal calcula que a população do município pode já estar em torno das 200 mil pessoas). R$ 2.9 bilhões divididos por 165 mil pessoas dá R$ 17.700 per capita. Se a população chegar a 200.000, a receita per capita é de R$ 14.500. Para efeitos comparativos, São Paulo tem uma receita projetada de R$ 69 bilhões para 2021. Com uma população de 12 milhões, isso significaria R$ 5.564 per capita. Ou seja, Maricá tem uma receita pública per capita quase 3 vezes maior que a de São Paulo, a cidade mais desenvolvida e populosa do Brasil.
É minha crença que a Renda Básica Universal tem grandes vantagens em comparação com outros programas de transferência de renda, especialmente no sentido de prover dignidade e liberdade real para todos, tal como definido por Amartya Sen. O desenvolvimento só faz sentido se significar um grau maior de liberdade. É meu grande propósito na vida, agora que completei 80 anos em 21 de junho, ver a implementação da Renda Básica Universal e Incondicional no Brasil e em vários outros países. Em meu diálogo com o presidente Lula, no dia de meu aniversário, prometi a ele que farei campanha pela sua eleição em 2022 e o ajudarei a conquistar seus objetivos, promessa com a qual ele está de pleno acordo.
Em todas as minhas visitas a locais para conhecer experiências de Renda Básica no Alasca, Namíbia, Coréia do Sul, Macau e Quênia, tenho coletado mais e mais argumentos para que eu possa pensar e contar a pessoas em toda parte por que eu acredito tanto na Renda Básica Universal.
Aproveito a oportunidade para agradecer todos com quem aprendi tanto, como Philippe Van Parijs, Guy Standing, Clauss Offe, Karl Widerquist, Anthony Atkinson, Sarath Davala, Yannick Vanderborght, Jay Hammond, Michael Howard, Zephania Kameeta, Ingrid Van Niekerk e todos vocês, queridos amigos da BIEN.